A Visão da Juventude
A prática do voluntariado tem sido cada vez mais valorizada em todo o mundo como uma forma de contribuir para o bem-estar da sociedade. Em Portugal, o voluntariado é reconhecido como uma atividade relevante e está protegido por uma lei específica, a Lei do Voluntariado. No entanto, essa lei foi criada há mais de 20 anos e, desde então, a sociedade e as práticas de voluntariado evoluíram significativamente. Por isso, torna-se importante rever e melhorar a Lei do Voluntariado em Portugal para garantir que ela se encontra atualizada e reflita as necessidades e realidades dos voluntários e das organizações que os acolhem. Essa revisão, a par de muitas outras medidas referidas de seguida, podem representar uma melhoria da qualidade do voluntariado em Portugal e contribuir para o desenvolvimento de uma sociedade mais ativa e solidária. Importa referir que as taxas de voluntariado formal mais elevadas foram observadas no norte da Europa, com destaque para a Holanda (40,2%) e a Dinamarca (38,1%). No extremo oposto, surge a Roménia (3,2%) e a Bulgária (5,2%). Portugal antecede a Bulgária com uma taxa de voluntariado formal de 6,4%, distante da média da UE-28 (19,3%). Tendo em conta estes dados, e tendo já sido concluído o processo de auscultação das Organizações Membro do Conselho Nacional de Juventude (CNJ) e diversas entidades do setor do voluntariado, foram definidas várias prioridades para esta área. Como já foi referido, a falta de uma legislação atualizada e devidamente enquadrada afeta a segurança jurídica dos voluntários e das organizações que os recebem. Adicionalmente, a revisão da legislação pode ajudar a promover o voluntariado em Portugal, fornecendo uma estrutura legal mais adequada para apoiar e incentivar a população a participar em atividades voluntárias. No entanto, é importante destacar que, embora a existência de uma legislação própria seja importante, ela não pode ser vista como uma solução única e isolada para a promoção e valorização do voluntariado. Para além da revisão da legislação, na visão do CNJ é imperativo a atualização do próprio conceito de Voluntariado, sendo esta uma das diversas razões para os dados tão negativos que apresentamos, em comparação com outros países.
Propostas do Conselho Nacional de Juventude
O Voluntariado deve ser abrangente, incluindo as diversas formas através das quais podemos contribuir para a comunidade onde nos inserimos, através dos princípios da solidariedade, cooperação, gratuitidade, entre outros. Assim, é importante que o conceito passe a incluir todo o tipo de voluntariado, desde o voluntariado assíduo às ações mais pontuais e incluindo as novas tendências do voluntariado jovem, nomeadamente o voluntariado online, o corporativo, de proteção animal, entre outros. Importa ainda distinguir o que é o voluntariado formal do voluntariado não formal para que se torne mais intuitivo aludir à sua referência. Outro dos aspetos que carece de análise e inclusão na revisão legislativa prende-se com a ausência de referências de idade para a prática de voluntariado em Portugal, sendo este um tópico que levanta muitas questões e dúvidas por parte, tanto de voluntários como de organizações. Neste sentido é importante que a legislação esclareça a possibilidade de participação de menores de idade no voluntariado, destacando a proteção das crianças em relação às atividades que possam desempenhar, bem como garantir o acompanhamento adequado e a autorização dos pais ou tutores. A clarificação da legislação e a implementação de medidas de segurança adequadas fará com que mais jovens possam ser incentivados a participar no voluntariado em Portugal, aumentando de forma positiva as atividades voluntárias. É necessário realçar e dar enfoque que nem todas as organizações que praticam voluntariado cumprem os requisitos legais para o fazer, nomeadamente a atribuição do seguro social de voluntário quando este é aplicável, ou o acesso a programas de formação inicial e contínua, a título de exemplo. Esta falta de conformidade prejudica a segurança dos voluntários e a efetividade do trabalho voluntário, e por isso, torna-se necessário criar mecanismos de sensibilização para incentivar todas as organizações de voluntariado a agir em conformidade com a legislação. Para enfrentar esse desafio, é importante investir em mecanismos de sensibilização e partilha de conhecimento para as organizações de voluntariado em Portugal, sendo que esses mecanismos podem incluir campanhas de consciencialização e partilha de boas práticas, bem como a criação de uma rede articulada de organizações que atuam em conformidade com a legislação. É importante que esses mecanismos incentivem as organizações a cumprir os requisitos legais, recompensando aquelas que operam em conformidade e implementam boas práticas, constituindo também uma oportunidade para o convívio entre voluntários e para o estabelecimento de relações interpessoais. Importa destacar ainda um aspeto de enorme relevância que é o facto do acesso e presença em programas de formação para os voluntários corresponderem a um direito, mas também a um dever dos mesmos. Estas ações de formação devem ser dinamizadas num momento inicial, no qual é importante explicar de forma geral e abrangente o funcionamento, a estrutura e os objetivos da organização, os seus projetos e todos os direitos e deveres dos voluntários, entre outras informações. Adicionalmente, é relevante dinamizar ações de formação contínua, idealmente centradas em cada voluntário ou grupo de voluntários com funções semelhantes, especializando a formação às funções que desenvolvem dentro da estrutura, às suas necessidades e aos seus interesses, sem nunca esquecer que a formação para a prática de voluntariado é crucial para o desempenho consciente e organizado desta prática. O princípio da gratuitidade inerente à prática de voluntariado pressupõe que o voluntário não é remunerado, nem pode receber subvenções ou donativos pelo exercício do seu trabalho voluntário. No entanto, a organização não deixa de ter custos associados a cada voluntário, uma vez que um dos seus direitos é precisamente o reembolso das despesas inerentes às ações que desenvolve. Assim, todas as despesas como alimentação, transporte, materiais, alojamento, pedidos de registo criminal, vacinações específicas para a prática de voluntariado internacional, entre outras, devem ser devidamente asseguradas. De modo a garantir que a prática de voluntariado está ao acesso de todos, e que o reembolso é garantido, deverão existir mais mecanismos facilitados de financiamento tanto no contexto nacional, como no voluntariado internacional. No entanto, no caso da dinamização de projetos ou atividades com retorno económico por parte de organizações com fins lucrativos, o CNJ considera relevante a fiscalização por parte da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), no sentido de garantir o não abuso laboral e a remuneração de todos os envolvidos. Importa realçar que a falta de dados objetivos e rigorosos sobre a prática de voluntariado em Portugal dificultam a correta avaliação do setor e a implementação de políticas eficazes. No sentido de alterar este paradigma é necessário estimular a realização de mais inquéritos pelo Instituto Nacional de Estatística (o mais recente é de 2018) e promover a recolha de dados pelas próprias organizações para destacar indicadores relevantes, como o valor económico e o impacto social do voluntariado. Isso permitirá uma avaliação mais precisa do setor e uma implementação de políticas e ações mais adequadas às necessidades reais do país. Por outro lado, o CNJ destaca que o sistema de ensino vigente não valoriza a educação para o voluntariado, o que perpetua a desvalorização do voluntariado culturalmente. Assim sendo, é necessário fomentar a educação para o voluntariado desde cedo, começando em casa e estendendo-se para o contexto escolar. Para isso, é preciso repensar o sistema de ensino, adotando modelos mais criativos e construtivos, que valorizem a educação para o voluntariado em contextos de educação não formal. Por conseguinte, torna-se fundamental envolver organizações cujo o cerne seja o voluntariado para colaborar nesse processo. A disciplina de educação para a cidadania pode ser uma oportunidade para destacar a importância do voluntariado. Para além disso, o reconhecimento do voluntariado é fundamental para a motivação e retenção dos próprios voluntários. É necessário incentivar as organizações a certificar as ações dinamizadas pelos voluntários, destacando as funções desenvolvidas e, idealmente, as competências adquiridas ou fomentadas através dessas atividades. Adicionalmente, é preciso sensibilizar a sociedade para que reconheça a importância destas experiências, valorizando-as no que toca à entrada no mercado de trabalho, ou seguindo o exemplo espelhado na lei espanhola e inglesa em que existe a menção do suplemento no diploma ou através da valorização na atribuição de ECTS. No que diz respeito à mobilização e retenção de voluntários, é importante a existência de incentivos que vão além do reconhecimento de competências e do reembolso de despesas. Algumas estratégias interessantes incluem: envolver cada voluntário dentro da organização, permitindo a progressão das funções realizadas e aumentando o nível de responsabilidade na estrutura; a participação nos momentos de decisão e de planeamento das ações de voluntariado ou ainda a oferta de outros estímulos, como o acesso ao passe de transportes públicos, promoções no acesso à cultura da região, menção das experiências de voluntariado no suplemento ao diploma e a possibilidade de ter um número de horas de trabalho por mês direcionadas para a prática de voluntariado; O voluntariado deve pautar-se por ser inclusivo e apresenta um enorme potencial como estratégia de integração social, promovendo a autoconfiança e a realização pessoal para indivíduos em situações de vulnerabilidade, nomeadamente pessoas com deficiência, jovens de bairros sociais e jovens com problemas de saúde mental. O voluntariado é uma ferramenta importante que permite a criação de uma rede de apoio, que fomenta o estabelecimento de relações interpessoais e que proporciona experiências únicas e enriquecedoras, que muitas vezes permitem a descoberta de novos talentos, interesses e vocações para estes grupos de risco. Os bancos locais de voluntariado, enquanto estruturas promotoras do voluntariado local, permitem aproximar os indivíduos interessados em realizar voluntariado e as organizações locais que os podem receber. Neste sentido, é de extrema importância que estes bancos locais sejam devidamente implementados e dinamizados para que haja uma sensibilização para o voluntariado local, disseminando de forma ativa organizações, projetos e informações úteis à prática de voluntariado e prestando o devido apoio às organizações e aos voluntários. Os bancos locais de voluntariado devem ser encarados como mais que uma mera lista de contactos, mas sim como uma estratégia de crescimento do próprio município ou freguesia. O voluntariado internacional, associado ou não a atividades turísticas, assume determinadas particularidades que devem também ser realçadas, nomeadamente o respeito pela cultura local, pela sustentabilidade ambiental e pelos direitos humanos. Adicionalmente, acrescentam-se aspetos de segurança e saúde que devem ser previstos e reforçados por meios de sensibilização.
Resumo
Pelo supramencionado o Conselho Nacional de Juventude compromete-se a pugnar através desta tomada de posição por: ● Revisão da Legislação no âmbito do Voluntariado ● Atualização do conceito de Voluntariado em Portugal ● Fazer referência à prática de voluntariado por menores de idade ● Investir em mecanismos de sensibilização para as organizações de voluntariado ● Definir mecanismos de fiscalização para organizações com fins lucrativos ● Promover a educação para o voluntariado ● Garantir o reembolso de todas as despesas do voluntário ● Recolher dados e avaliar a prática de voluntariado em Portugal, clarificando as métricas a usar ● Garantir a formação contínua dos voluntários, de acordo com os seus interesses e necessidades ● Promover o voluntariado como uma potencial ferramenta de integração social ● Incentivar mecanismos de reconhecimento e validação ● Promover incentivos para a mobilização e retenção de voluntários ● Fomentar os bancos locais de voluntariado ● Destacar as particularidades do voluntariado internacional Referências: 1. Instituto Nacional de Estatística. Inquérito ao Trabalho Voluntário. Lisboa, 2019. 2. CASES. Voluntários em Tempo de Pandemia. Lisboa, 2023.