Os jovens estão cada vez mais interessados em política (mas fora dos partidos) e a maioria não apoia nem o PS nem PSD. Em entrevista à SÁBADO, o novo presidente do Conselho Nacional de Juventude aponta o caminho: "Atenção aos jovens não pode ficar pelas intenções."
André Cardoso é o novo presidente do Conselho Nacional de Juventude (CNJ), a única estrutura reconhecida pela Assembleia da República que agrega as diversas organizações de jovens em Portugal. Licenciado em Direito pela Universidade do Minho, fez mestrado em Direito Administrativo pela Universidade Católica do Porto. Cardoso olha com bons olhos a promoção da Juventude a Ministério e elogia o pacote de Habitação do Governo, que isenta os jovens de IMT e IS na compra da primeira habitação própria e permanente por jovens até aos 35 anos e em casas até €316 mil euros, assim como a criação de uma garantia pública de até 15% do valor da transação, nos imóveis até €450 mil euros. Contudo, salienta que o problema é de oferta — e dá um recado aos partidos fundadores da democracia: "Os jovens estão cada vez mais desiludidos com as condições com que se deparam, quer no que diz respeito ao esforço que fazem para continuarem a estudar, quer no que respeita à sua entrada no mercado de trabalho e consequente dificuldade de emancipação."
O Governo tomou posse há quase três meses. Margarida Balseiro Lopes tem sido uma boa ministra da Juventude?
Queremos destacar a relevância do Conselho de Ministros realizado no passado dia 23 de maio, em Braga, onde foram aprovados um conjunto de medidas para a Juventude, quer no que respeita à tributação, quer no que concerne às políticas e medidas para a habitação, saúde, alojamento estudantil e bolsas. Contudo, não podemos deixar de referir que, no entender do CNJ, há muito que ainda falta apresentar, principalmente no que diz respeito às políticas laborais e de melhoria das condições de trabalho dos jovens.
A atitude de promover a Juventude a Ministério foi uma boa jogada?
A promoção da Juventude a um Ministério foi uma mudança que vimos com bons olhos. Numa primeira linha, esta promoção pode representar uma atenção especial aos mais jovens, concentrando, num único Ministério, as políticas que, direta e indiretamente, afetam aqueles que são o presente e o futuro do nosso País. No entanto, esta atenção dada aos jovens através da criação de um novo Ministério não pode ficar pelas intenções, mas tem de se materializar em políticas concretas e, acima de tudo, os resultados têm de se tornar visíveis a curto e a longo prazo.
Um dos pacotes que mais vai impactar a vida dos jovens é o pacote Habitação. As medidas são justas?
Sendo as camadas mais jovens da população aquelas que mais sentem as consequências dos altos valores das rendas e custos de habitação, todas estas medidas podem ser encaradas como positivas. No entanto, há ainda algumas medidas e políticas que faltam concretizar de forma a garantirmos a materialização do direito à habitação para todos. Importa lembrar que, no que toca aos jovens, "sem habitação não há liberdade nem emancipação". Entendemos que a resposta à crise habitacional deve ser feita em torno de mais construção e, acima de tudo, do aumento da habitação pública. Este aumento do parque habitacional público deve ser feito através da reabilitação dos fogos devolutos e da consequente conversão para habitação permanente. Só desta forma é que se conseguirá voltar a equilibrar o mercado da oferta e da procura e, consequentemente, aliviar o preço final para os mais jovens.
Este ano houve legislativas e europeias. Os jovens estão mais interessados na política?
Sim. Os dados transmitidos pelo Eurobarómetro já nos havia transmitido que 77% dos jovens portugueses tencionavam votar nas últimas eleições europeias. Portanto, há margem para acreditarmos que houve um aumento dos jovens na ida às urnas nas duas últimas eleições a que assistimos. Isto demonstra que os jovens estão efetivamente interessados no presente e futuro do País ou pelo menos tão interessados quanto as outras faixas etárias. No entanto, há que destacar que hoje assistimos a um fenómeno cada vez mais notório: apesar de os jovens estarem mais interessados na política, tendem a abdicar dos espaços mais convencionais de se fazer política. Atualmente, assistimos a um crescimento de estruturas e movimentos políticos que não estão necessariamente ligados às estruturas e juventudes partidárias. Aos dias de hoje, os jovens não deixam de expressar as suas opiniões e reivindicações através do digital ou através da participação em fóruns de discussão e de luta, havendo, por vezes, a necessidade destes em afirmar que não estão ligados a nenhum partido político.
Vamos olhar para as legislativas. Segundo uma sondagem à boca das urnas realizada pelo
ISCTE, existe uma conclusão clara: os partidos "novos" (IL, Livre, Chega e, ainda "novo", o BE) atraem os mais jovens muito mais que os partidos "velhos" (PS, CDU, AD). Os partidos de sempre não oferecem as soluções que os jovens procuram?
Verdade. E quanto mais recente for o partido, mais este consegue captar o voto jovem. Cremos que uma explicação possível para este fenómeno é o fator novidade destes mesmos partidos, que trazem uma nova forma de fazer política (ou pelo menos, de a apresentar aos eleitores). A "novidade" está intimamente ligada ao facto de estes poderem conseguir espelhar uma imagem em que "poderão fazer diferente". Ora, este "fazer diferente" é muito aliciante para os mais jovens atendendo às dificuldades que estes atualmente enfrentam e que se têm vindo a agravar. Estes "novos" partidos acolhem estratégias de comunicação que, naturalmente, facilitam a "chegada" aos jovens.
O Chega ficou em segundo lugar entre os partidos mais populares entre os jovens, com 25%, no grupo etário dos 18 aos 34 anos. Como se explica esta radicalização?
De facto, e orientando-nos pela sondagem feita à boca das urnas pelo ICS/ISCTE nas últimas eleições legislativas (sabendo da fragilidade de uma sondagem face aos estudos que saem posteriormente), é verdade que o Chega conseguiu alcançar 25% dos votos dos jovens dos 18 aos 34 anos. Ora, este valor é
miiito sionificativo se comnararmos com os anenas 90 de votos me amele mesmo nartidn consedun dos votantes com mais de 65 anos de idade. Por um lado, temos a "novidade", do qual também beneficiaram partidos como o Livre ou o Iniciativa Liberal. Hoje, os jovens não se sentem tão atraídos pelos partidos mais tradicionais ou partidos de governação. Ora, isto beneficia os partidos com poucos anos de existência, como é o Chega. Por outro lado, os jovens estão cada vez mais desiludidos com as condições com que se deparam, quer no que diz respeito ao esforço que fazem para continuarem a estudar, quer no que respeita à sua entrada no mercado de trabalho e consequente dificuldade de emancipação. Tudo isto acaba por gerar uma revolta entre os jovens que poderão ver o voto no Chega como um voto de protesto (e, até, de um certo populismo).
30% dos jovens nascidos em Portugal vivem fora do País. Como regredimos esta tendência?
Verificar que, atualmente, 30% dos jovens com idades entre os 15 e os 39 anos vivem no estrangeiro merece uma reflexão profunda do país que somos e do país que queremos, principalmente se este êxodo se deve à busca de mais e melhores condições de vida. Se a emigração destes jovens se der, única e exclusivamente, por vontade destes (no sentido de estes apenas quererem ter uma experiência lá fora), então não há nada a apontar. O problema coloca-se quando a ida para o estrangeiro é motivada pela falta de oferta de condições e oportunidades em Portugal. Isto é grave se tivermos consciência que isto é o que acontece na generalidade dos casos, piorando quando muitos destes jovens emigram depois de uma licenciatura ou até de um mestrado nas universidades portuguesas. Esta tendência deve ser combatida através da oferta de mais e melhores oportunidades e isto faz-se através de um aceleramento do crescimento económico do País. Não basta haver emprego para todos; é preciso que os trabalhos existentes ofereçam um salário atrativo e, pelo menos, que sejam aptos para garantir uma vida com dignidade.
Será presidente do conselho nacional de Juventude até 2026. Quais serão os principais objetivos do seu mandato?
Perspetivar janeiro de 2026 pode ser visto, numa primeira linha, como um marco temporal longínquo. No entanto, não será tanto assim quando a vontade e ambição em fazer muito é grande. O CN], sendo a plataforma que representa a juventude portuguesa, assume uma importância em dois sentidos: por um lado, devemos ser o garante de uma plataforma de diálogo e de espaço de intercâmbio de posições e pontos de vista das diversas organizações membro; e, por outro lado, devemos reivindicar estas mesmas posições junto daqueles que legislam e que definem a política pública que impacta, direta e indiretamente, junto dos
jovens. No fundo, esta reivindicacao deve ser feita no sentido de garantirmos que estamos sentados a mesma mesa dos decisores políticos a fim de assegurarmos que tudo o que é para "nós" é decidido "connosco". Neste sentido, considero que os meus grandes objetivos enquanto presidente do CN] passam, em primeiro lugar, pela contínua projeção da imagem do CNJ. Queremos capacitar-nos e garantir um maior reconhecimento por parte daqueles com quem devemos dialogar e negociar no sentido de materializarmos as políticas públicas. O outro grande objetivo é garantir um posicionamento político do CN] sobre todas as matérias que impactam, direta e indiretamente, na vida dos jovens e que este posicionamento seja construído com todas as suas organizações-membro.